domingo, 21 de junho de 2015

Sobre a dívida pública e os depósitos bancários



            O meu avô, que era um homem sábio, combatente da I Grande Guerra, recomendou-me insistentemente que não guardasse as minhas economias no banco, quando, aos 18 anos, lhe disse que ia abrir uma conta bancária.
            Aliás, fez a mesma recomendação ao meu pai e  aos meus tios que também se estrearam nas relações bancárias por essa época (1969). Foi há muito pouco tempo, já tinham passado mais de 20 anos sobre o fim da II Guerra Mundial e ainda era muito forte  a desconfiança sobre a segurança dos depósitos bancários.
            No mercado, os bancos procuravam fidelizar clientes com contas de pré-aviso,  que garantiam um juro melhor se avisássemos de que íamos fazer um levantamento ou pagamento com x dias de antecedência.
            Sabia bem esse fruto civil a que chamam juros.
            Na minha Faculdade de Direito de Coimbra, em 1971, o Prof. Teixeira Ribeiro, que mais tarde veio  a ser vice-primeiro-ministro de Vasco Gonçalves (1975) ensinava-nos que era impossível fazer falir um banco, porque a especulação era muito reduzida e as normas prudenciais que regiam a atividade bancária, apesar de o Banco de Portugal ser um banco privado, eram muito apertadas.
            Em 1975, a seguir ao 11 de março, assistimos a um processo de nacionalização da Banca e sentimos, pela primeira vez que podia não ser seguro ter o dinheiro nos bancos. Foram então adotadas medidas restritivas , que limitavam o levantamento de dinheiro e a compra de moeda estrangeira.
            O escudo republicano era uma grande moeda de que tenho as maiores saudades.
            As primeiras notas portuguesas foram impressas ainda durante a monarquia.   Mas foi em 1910 que nasceu o escudo, iniciando-se uma política monetária que permitiu a construção de uma moeda forte e saudável.
            Quando o Estado não tinha dinheiro, o Banco de Portugal imprimia papel moeda e suportava o Tesouro; quando havia dinheiro a mais, o Banco de Portugal recolhia-o, reduzindo a moeda em circulação.
            A par do escudo circulavam no espaço português, moedas próprias em Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Macau e Timor, cada uma delas com os seu banco emissor  e o seu regime próprio, nomeadamente em termos de compensação.
            A relação do escudo com o dólar foi, durante muitos anos, uma relação muito estável. Um dólar eram 24 escudos.
            O euro, nascido em 1 de janeiro de 2002, nunca foi uma moeda estável.
            Na data do seu nascimento, 1 euro valia 0,8913 dólares.
            Um ano depois, em 1 de janeiro de 2003, valia 1,04 dólares, o que nos mostrava que haveria de ser uma moeda adequada a manipulação.
No dia 28 de fevereiro de 2014, o euro atingiu o seu máximo valor por relação ao dólar, que foi de 1,379.
            As moedas são essenciais para a vida das pessoas e das empresas e a flutuação dos seus valores assume uma relevância especialíssima no quadro da globalização, tornando especialmente vulneráveis os países que não tenham moeda própria.
            É certo que uma moeda única tem a enorme vantagem de eliminar os câmbio entre os diversos países que a adotam. Mas esse benefício tem um preço, que pode ser demasiado caro se não se tiver nenhuma influência na política monetária, como acontece com o euro.
            Por regra, os Estados afirmavam que a dívida pública se pagava em moeda corrente.
A criatividade a que assistimos após o nascimento do euro conduziu a que se introduzissem, no  quadro das finanças públicas, novos atores e novas figuras, com verdadeiras funções de soberania alternativa à dos Estados.
Exemplo disso é a importância dada às agências de rating, a favor de quem os Estados abdicaram de parte da sua soberania; como o são os contratos de swap, que introduzem em muitos contratos públicos formas de correção geradas na lógica do jogo ou azar.
O mais surpreendente é a constatação, neste momento em que o euro se aproxima do seu 14º ano e corre o risco de não chegar ao 15º, de que a política cambial pode ter sido desenvolvida de forma adequada a fazer crescer dívida pública e privada quando a mesma é calculada em dólares.
1 milhão de euros à taxa de  câmbio de 0,8913 são 891.300 dólares.
1 milhão de euros à taxa de  câmbio de 1,379 são 1.379.00 dólares.
Normalmente não pensamos que o nosso dinheiro perde valor quando se desvaloriza por relação a outras moedas.
Só para dar um pequeno exemplo, entre 1 de janeiro de 2014 (1,3785) e 1 de junho de 2015 (1,0987) o euro desvalorizou 20,29%.
Se estiver em causa uma dívida que tenha que ser paga em dólares é esse o crescimento da mesma em função da alteração cambial.
Mas o sistema do euro, tal como foi concebido, tem outras fragilidades, talvez mais delicadas.
A ideia de que o Banco Central deve ter uma política monetária cega e o princípio de que o Banco Central não deve financiar os Estados  transformou-os em reféns do sistema financeiro e dos mercados, em termos que podem gerar condições para o fim da moeda e da própria União Europeia.[1]
Há anos que previ que pudesse acontecer aquilo a que estamos a assistir, mas não imaginei que pudesse ser tão cedo.
Aquelas pessoas que acreditaram nas virtudes dos depósitos bancários e que aforraram, contando com o rendimento das suas poupanças guardadas nos bancos, estão absolutamente desiludidas, porque nada recebem e, nalguns casos até têm que pagar para o banco lhes guarde o dinheiro.
Os bancos, porque a economia parou e o risco cresceu  não conseguem gerar negócios e dedicaram-se à especulação  e ao negócio da dívida pública.
A garantia dos depósitos até 100.000 € é uma mentira legal, porque o Fundo não tem recursos para proceder ao pagamento.
Assistimos ao paradoxo de um país como Portugal ter uma dívida pública de 208.128 milhões de euros[2] que representa 120,27% do PIB e os “cofres cheiros” de dinheiro emprestado.
O segredo – e o aliciante – está no facto de o Banco Central Europeu emprestar dinheiro aos bancos à taxa de 0,05% e de que quem recorre aos bancos ter que pagar as taxa de mercado.
O dinheiro tem um preço variável, em função do chamado risco-país, que é manipulado pelas agências de rating e que favorece manifestamente os grandes devedores.
Eles desnatam completamente, em seu beneficio, os aforros dos bancos da zona monetária, fazendo financiar a divida pública dos países mais fortes a taxas muito baixas ou negativas e a divida dos mais fracos a taxas exorbitantes.
            Pensando naquele valor da dívida portuguesa a diferença é apenas esta: se Portugal pudesse financiar-se junto do BCE, pagaria juros de 104 milhões de euros por ano; se tiver que se financiar nos mercados e o conseguir a uma taxa de 3,5%, que é considerada muito baixa, o valor a pagar é de 7.284 milhões de euros anuais.
            E se, perante esta barbaridade, o País protestar e a taxa de juro subir para 12,5% o valor dos juros anuais passa a ser de 26.016 milhões de euros.
            Este quadro, que foi imaginado para proteger o sistema financeiro e criar um sistema financeiro forte pode  conduzir o sistema financeiro à derrocada.
            Se a Grécia declarar a bancarrota isso terá um impacto brutal em todo o sistema financeiro da zona euro.
Dúvidas não há de que euro não acabará de um momento para o outro. Mas podem registar-se perturbações  que dificultem as movimentação de fundos.
Foram recentemente anunciadas algumas medidas, a pretexto da necessidade de combate ao terrorismo, que servem objetivamente para criar dificuldades à movimentação de fundos.
Se forem criadas dificuldades à movimentação de valores depositados em bancos aumentará a preferência pela liquidez: o dinheiro terá valor para quem o tiver; não para quem o tiver bloqueado.
Só há, atualmente, uma motivação para ter dinheiro num banco: a da segurança. Só que essa segurança é ilusória, se forem criadas restrições à movimentação do valor dos depósitos.
Se se gerar um situação de desequilíbrio, a situação dos depositantes poderá não ser diferente da  dos investidores em papel comercial do GES, a quem foi garantido que aquelas aplicações eram tão seguras como os depósitos.
Perante o quadro de instabilidade para que fomos conduzidos, parece-me bem mais seguro levantar o dinheiro dos bancos e guardá-lo no colchão do que correr o risco de ter confiado a terceiros.



[1] A dívida total da União Europeia é de 11,382 mil biliões de euros, com a Alemanha à cabeça, com 2,147 mil biliões de euros. A divida pública da Itália é de 2,0692 mil biliões de euros e a da França de 1,7524 mil biliões de euros.
[2] Valores de 31 de dezembro de 2014. Fonte: Banco de Portugal

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